terça-feira, 6 de julho de 2010

O mundo transparente da ciência portuguesa

Se algum dia entrar num Ferrari com mostradores digitais no pára-brisas terá provavelmente à sua frente tecnologia portuguesa criada no Centro de Investigação de Materiais (Cenimat) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. É lá que trabalha a investigadora Elvira Fortunato, recentemente distinguida na área da Engenharia pelo European Research Council (ERC).
À entrada do departamento do Cenimat, situado no Campus de Caparica, não se adivinha que naquele tímido edifício branco se produz tecnologia de ponta. Mas lá dentro, tudo é mais arrojado, a começar pelas explicações da investigadora ao PortugalDiário sobre o projecto «Invisible», que lhe valeu um prémio de 2,5 milhões de euros, e tudo menos invisibilidade. «Há duas semanas que não consigo trabalhar, só com entrevistas». Toda a gente quer saber mais sobre a solução inovadora que apresentou para criar transístores sem recurso ao tradicional (agora) silício, em que trabalha há já cinco anos.
Faça-se luz

«É uma área nova em termos tecnológicos. No fundo nós utilizamos materiais cerâmicos como semicondutores. Utilizamos materiais que são utilizados em cimentos ou em tijolos em transístores», diz. Ao seu lado, um pequeno suporte de madeira ostenta um vidro com leds incrustados, desenhando as letras «FCT» ¿ as iniciais da Faculdade de Ciências e Tecnologia. Elvira carrega num pequeno botão vermelho e faz-se luz no centro do vidro, e também na sua explicação: «Não se vêem fios a ligar aos leds. Esta superfície de vidro está coberta com um óxido condutor que tem as propriedades ópticas de um vidro, de um material isolante, mas também as eléctricas de um metal».

O facto desta tecnologia ser produzida à temperatura ambiente - «como fazer um refogado sem aquecer» - abriu também outras possibilidades. Foi assim que nasceu o transístor de papel, que poderá vir a ter uma aplicação prática na área da electrónica descartável, tal como cartões e etiquetas inteligentes. Já os transístores e circuitos transparentes abrem também uma série de portas, tal como explica Rodrigo Martins, presidente do Departamento de Ciência dos Materiais, que revela parcerias com empresas como a Samsung, a Fuji, a LG, a Saint Gobain, a HP e a Fiat. No ramo automóvel, a Ferrari merece uma explicação: «Pretende-se ter todos os mostradores ao nível da visão do condutor e ter tudo implantado no vidro da frente do automóvel».

A chave do sucesso

O trabalho da equipa de Elvira Fortunato valeu-lhe uma felicitação pessoal do Presidente da República, a desejar-lhe «os maiores sucessos nesta área». E para continuar na senda da inovação, a investigadora já tem destino para os 2,5 milhões euros. Parte irá financiar a compra de um microscópio electrónico único em Portugal, que poderá dar apoio também à área das nanotecnologias. O resto vai permitir alargar a equipa de 30 para 33 pessoas e sustentar dar estabilidade ao trabalho destes investigadores nos próximos cinco anos.

A investigadora parece não ter dúvidas sobre a capacidade de continuar a inovar e acha que com trabalho é possível criar coisas novas em Portugal. Rodrigo Martins também partilha da mesma convicção, apesar de ter lamentar que falte por vezes visão a outros níveis, fora dos laboratórios. «Quando ela foi falar com pessoas responsáveis, em vez de a incentivarem a concorrer [ao ERC], a primeira reacção foi: olhe que este concurso é para a nata da nata europeia. Há uma subalternização, quase incompreensível». Mas Elvira acabou por acreditar. E é este o conselho que deixa aos investigadores mais jovens: «Tenham brio naquilo, trabalhem, e acima de tudo tentem fazer aquilo que gostam. Reunidas estas valências, em qualquer área, qualquer pessoa terá sucesso».


http://diario.iol.pt/tecnologia/elvira-fortunato-ciencia-investigacao-premio/979747-4069.html

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